sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

LIVRO: Esquerda Caviar, de Rodrigo Constantino




Terminei a leitura do livro “Esquerda Caviar”, de Rodrigo Constantino.
O autor tenta desnudar a mente daqueles ”inteligentinhos” da esquerda que vivem e defende os humildes, mas preferem a distancia deles, desfrutando dos benefícios que só o famigerado capitalismo pode oferecer.
Realmente é muito fácil defender os humildes desde que sentado em sua confortável sala, desfrutando do carro do ano, indo a bons restaurantes, viajando ao exterior com frequência, com os filhos matriculados na escola particular, sem precisar dos serviços dos serviços de saúde, segurança, educação e transporte públicos.
Eu admiro quem paga mais de duas vezes (impostos + contratação de serviços particulares) sem reclamar, feliz e satisfeito, por querer crer que está sendo feita justiça social, por crer que o Estado Robin Hood é capaz de bem empregar o que ele tira da classe média e diz distribuir entre os pobres.
Voltando à obra, é uma mera tentativa, pois o autor, apesar de trazer à tona a verdade da hipocrisia do grupo que ele denomina de “esquerda”, utiliza a mesma técnica de discurso, a mesma retórica, do grupo que condena, cheia de lugares comuns, preconceitos, agressões.
Em algum lugar (nem lembro se foi nesta obra) eu li que os americanos – e ele idolatra os americanos – discutem ideias e não intimidades, o que os tornou melhores no discurso político. Aí eu me pregunto: porque o autor resolveu partir para o ataque pessoal em vez de discutir ideias?
Sabemos que estamos em um mundo onde o politicamente correto tomou conta das mentes brilhantes. Quem não for politicamente correto hoje em dia corre o risco de ser execrado em vias públicas. Ai de quem disser que um afrodescendente é negro ou preto. Mas isso não muda o tom da pele de ninguém. Homossexualismo -> homossexualidade -> homoafetividade. Mas os gays não vão deixar de amar alguém do mesmo sexo por uma mudança de sufixo. Um “sistema que não funciona” passou a ser um “sistema em constante processo de aperfeiçoamento”. Risos! Transporte público virou mobilidade urbana, mas as dificuldades do usuário continuam as mesmas. Mal educado virou bipolar. Feminismo, machismo, sexismo, futebolismo, religiosismo, blá, blá, blá, blarrrghhh...
O problema da humanidade é justamente o que um dia foi solução. A ciência se desenvolveu quando começamos a classificar as coisas e colocarmos em suas caixinhas. O problema é o exagero. Tem coisas e conceitos no mundo que não cabem em gavetas. Tal é o exagero, que a guerra se faz. Principalmente quando a exacerbação transforma o mundo num grande jogo de binários (pretos x brancos, homo x hétero, machos x fêmeas, esquerda x direita, religiosistas x ateus...).  Desenvolveram-se polaridades até mesmo de uma mesma caixinha, afinal é comum ver religiosistas brigando entre si em vez de pregar a paz mundial... Cristãos brigando por poder em vez de unirem forças em prol dos valores fundamentais de seus credos...
Acho que já deu dessa presepada, né? É muito grave esse reducionismo superficial do mundo em pares, em caixinhas. E o autor não aprofundou nessa questão, mas sim criticou figuras públicas, muitas vezes com as mesmas ofensas pessoais e exageros que tanto atribuiu ao seu alvo de condenação. Não creio que, para discordar de algo ou alguém, seja preciso ficar parecido com o alvo. Infelizmente o autor cometeu esse erro. Antes de discutirmos ideais, precisamos voltar a discutir valores, pois nos esquecemos deles quando passamos a discutir as ideias.
É grave classificarmos as pessoas e coisas a partir de uma característica. Superficial. Perde-se a essência. Negros, brancos, pobres, ricos, heterossexuais ou não, direitistas e esquerdistas, machos ou fêmeas, somos humanos. Sempre haverá diferenças. Afinal, a diferença é a característica que mais nos torna iguais. E deveríamos lidar somente com aquelas que realmente nos impulsiona a um futuro melhor. Algumas diferenças são naturais, impossíveis de eliminar, mas possíveis de se respeitar. As que não são naturais teriam um tratamento mais adequado se muitas delas fossem simplesmente ignoradas. E as que sobram são aquelas importantes, que realmente prejudicam as pessoas, que devem ser tratadas com mais atenção.
Mas vale a leitura, que é agradável e engraçada em alguns pontos. Vale também por ter deixado a hipocrisia exposta: sua crítica expôs a hipocrisia da esquerda, e sua retórica expôs a própria hipocrisia (ele se diz de direita, liberal). Se é que é possível dizer, ao menos no Brasil, diante de tantos projetos políticos vagos e pessoais, que exista essa divisão ideológica.
Vale por provocar a reflexão.
Não sou economista, nem cientista político, não entendo patavinas, nem quero entender. Sou apenas cidadão. Mas, estou com a Miriam Leitão no que se refere ao tratamento das divergências, principalmente por sermos todos vítimas dessas visões reduzidas e tirânicas sobre as coisas do mundo:
“Bom é quando os jornalistas divergem e ficam no campo das ideias: com dados, fatos e argumentos.
Isso ajuda o leitor a pensar, escolher, refutar, acrescentar, formar seu próprio pensamento, que pode ser equidistante dos dois lados. O que tem feito falta no Brasil é a contundência culta e a ironia fina. Uma boa polêmica sempre enriquece o debate. Mas pensamentos rasteiros, argumentos desqualificadores, ofensas pessoais, de nada servem. São lixo, mas muito rentável para quem o produz.”
O autor aponta várias caricaturas do que ele denomina esquerda. De Obama a Luciano Huck. Mas, se for possível apontar uma caricatura de direita, ela será o Rodrigo Constantino.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Porque o Itamaraty?


Porque o Itamaraty?

Esse recado vai para os que estão debutando na vida adulta e, consequentemente na vida cidadã, sobretudo meus irmãos e primos, que talvez estejam sem entender muito bem os fatos. Vou tentar ser didático ao repassar essa pequena migalha de conhecimento, mas que pode fazer uma grande diferença para quem está meio que “boiando”.

A imagem dos protestos de ontem que prevaleceu na mídia foi a do Palácio do Itamaraty como alvo de destruição. Longe de mim e de nós incitarmos a violência e a depredação do patrimônio público, mas ideologicamente eles erraram o alvo.

O Itamaraty é a sede do Ministério das Relações Exteriores, órgão responsável por articular a política internacional por meio da diplomacia. É lá que trabalham os diplomatas que exercem suas funções tanto no Brasil quanto no exterior.

Ocorre que o Brasil vai muito bem (obrigado) em relação à política internacional e é muito bem visto pelos diplomatas estrangeiros graças ao bom trabalho que nossos consulados e embaixadas têm feito no exterior. Conseguimos costurar e estabelecer relações exteriores muito sólidas graças à inteligência, competência, preparo e, ouso dizer, sofisticação dos nossos diplomatas que são servidores concursados por meio de um certame dificílimo no qual só os melhores conseguem passar.

Qual deveria ser o alvo, então (repito: violência ao patrimônio público NUNCA é bem vinda!)?

Respondo.

De tempos em tempos o governo (Presidente, Governadores e Prefeitos) juntamente com o Legislativo (Congresso Nacional, Câmaras de Deputados e de Vereadores) elaboram leis, previstas na lei mestra do país, que é a Constituição Federal, para projetar, planejar, prever, definir, o que e como arrecadaremos de impostos e em que eles serão gastos. Essas leis são: o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei de Orçamento Anual. Não vou detalhar sobre elas, mas registro para quem quiser pesquisar.

Então, durante todo o ano pagamos nossos impostos – se fôssemos concentrar o que trabalhamos para pagar de impostos esse ano num único período, ele iria até meados de maio. Ou seja, trabalhamos quase metade do ano só para pagar os impostos que deveriam ser gastos conforme as leis mencionadas definiram.

E como funciona? No mundo perfeito é assim: a lei é elaborada, a gente paga os impostos, o governo arrecada, o governo investe em benefício do bem comum, os tribunais de contas fiscalizam e aprovam as contas depois e dão o retorno para a sociedade.

Os tribunais de contas são novidade aqui no texto né? Eles são côrtes (grafia errada propositalmente para demonstrar a sílaba tônica), ligadas aos poderes legislativos federal e estaduais (alguns municípios possuem tribunal de contas), que analisam e julgam as contas das despesas feitas pelo Poder Executivo.

Ocorre que, nesses tribunais, a indicação dos membros é mais política do que técnica e eles ficam sob as asas do governo. O que não deveria acontecer.

Não sei se já deu pra notar, mas o erro é sistemático, pois nossas escolas não nos prepararam para conhecer as nossas instituições.

Assim, o alvo da cobrança deve ser não só a Dilma, ou o Governador do seu Estado ou o Prefeito de sua cidade. O que é mais grave é o que se passa dentro do legislativo e dos tribunais de contas, pois são eles que devem representar o povo e elaborar as leis de acordo com o interesse comum e fiscalizar para que nada saia do caminho. O Itamaraty não tem nada com isso, a não ser o fato de receber parcela do orçamento para desempenhar suas atribuições... E o prédio público muito menos tem a ver com isso, pois lá poderia funcionar qualquer outra coisa (escola, hospital, cadeia...)

Então minha gente, foco no problema! Pedir afastamento do chefe do executivo não resolve, a faxina deve ser geral. Mas essa faxina não significa necessariamente tirar as pessoas do poder, mas sim tirar o excesso de poder dessas pessoas, tirar delas o poder indevido, que nós não concedemos a eles. Simples assim. Esse deve ser o recado, nossa imposição, nosso dever agora e isso deve refletir ano que vem nas urnas! Vamos pesquisar o que eles já fizeram antes de escolher um deles e apertar a tecla verde. Ou, se for o caso, votar nulo por não concordar com o sistema, o que também é um exercício de cidadania.

A propósito: porque o STF não foi depredado? Será que é porque o Judiciário é um poder que, apesar das adversidades, ainda consegue se fazer respeitar e confiar? Fica para uma outra discussão.

quarta-feira, 19 de junho de 2013


Tem gente lá no governo dizendo que ainda não entendeu o que aconteceu para motivar o povo ir às ruas.
Ocorre que aquela velha máxima de que o brasileiro tem memória curta vale para todos, inclusive para eles. Para essas pessoas e para quem quiser ler, vou tentar fazer aqui um pequeno flashback.
Lá pelos idos de 1997, no governo FHC foi aprovada a Emenda Constitucional que alterou o processo eleitoral no Brasil. Foi possibilitada a reeleição para o executivo e o mandato foi reduzido de 5 para 4 anos. 

Na época, Michel Temer era presidente da Câmara, apoiava o governo do PSDB. faziam ainda parte da mesa da Câmara: 
Heráclito Fortes, hoje do DEM; 
Severino Cavalcanti: aquele do Mensalinho, hoje no PP, tão vivo quanto o Sarney, e deixou seus pupilos na Câmara, tais como Feliciano e Bolsonaro que levantam bandeira contra os gays; 
Ubiratan Aguiar: Começou no Arena, passou pelo PSDB, foi deputado, ministro do TCU, e é vivo;
Nelson Trad, votou pela volta da CPMF, teve sua aposentadoria questionada, começou no PTB e terminou no PMDB, já não está mais entre nós;
Efraim Morais: PDS --> PFL --> DEM, campeão em nepotismo no Senado, tem um herdeiro na Câmara, vive entre nós, mas está apenas nos bastidores do poder.
Já a mesa do Senado era composta por: ACM (que dispensa qualquer comentário), Geraldo Melo (está fora da política direta), Ronaldo Cunha Lima (tentou matar seu antecessor no governo da Paraíba, já morreu), Carlos Patrocínio (PMDB, também atua nos bastidores), Fláviano Melo (PMDB, atua no Acre, nos bastidores) e Lucídio Portella (começou na UDN e terminou no PP, está com mais de 90 anos).

Lembro-me muito bem que, na ocasião um professor meu (eu estava ingressando no ensino médio), alertou para os riscos que essa emenda poderia trazer, sem contar o custo que isso gerou aos cofres públicos com a criação de emendas e distribuição de cargos para desviar dinheiro e pagar a base aliada. Seriam eles:

a coincidência do ano eleitoral com eventos esportivos mundiais (eleições nacional e estadual coincidem sempre com a COPA e as municipais com as OLIMPÍADAS), o que tiraria o foco do povo brasileiro que adora ver uma bola rolando.

o perigo de os eleitos desperdiçarem força e energia durante o primeiro mandato para costurar e fortalecer as alianças políticas em desfavor do interesse público e para garantir a reeleição depois, investindo somente o mínimo necessário para não deixar a coisa cair tanto.

Na época tínhamos uma seleção brasileiro tetracampeã e um presidente intelectual. O Plano Real estava a pleno vapor, o salário mínimo era de R$120,00, o que era considerado muito dinheiro.

Aí vieram outros escândalos além da emenda da reeleição: SUDAM, SIVAM, PROER, Caixa Dois, proprinoduto das privatizações (Telebrás principalmente), socorro bilionário aos bancos... Sua cabeça chegou a ser pedida, mas sequer foi investigado.

Enquanto isso, o PT se fortalecia e o Lula tinha aulas para moderar o discurso e não perder a eleição. Ganhou!

O PMDB continuou na base aliada e os escândalos não pararam

Lula, ao contrário de FHC, não tem estudo, mas isso não o colocou do lado do povo.
Roberto Jefferson jogou merda no ventilador e a coisa ficou séria. Ministros José Dirceu, Benedita da Silva e Gushiken foram demitidos. 
Surgiu a venda de dossiês, o Lulinha com a Telemar, o uso dos cartões corporativos, campanha política fora de hora, e o mensalão.

Enquanto tudo isso acontecia, durante todo esse tempo, a educação, a saúde, os transportes públicos, enfim, todo o equipamento dos serviços custeados pelo povo foi sendo sucateado.

Os parlamentares perderam a noção de sua importância e deixaram de representar o povo quando perceberam que os conchavos políticos alimentam melhor a conta bancária. Por lá, nenhuma reforma importante foi realizada: nem a política, nem a eleitoral, nem a tributária. Estão pendentes: o Novo Código de Processo Civil e o Novo Código de Processo Penal. E, para tampar os olhos do povo, levam para dentro do Estado laico, questões religiosas e sexuais, plantando uma guerra conveniente para mascarar o que os bastidores não querem mostrar.

Fato esse que motivou o STF a suprir a ausência do legislativo, com a incrível e difícil missão de interpretar a lei à luz da Constituição Federal para garantir, que uma norma de interpretação, uma mutação constitucional trouxesse benefício à população.

Por isso creio que pedir o impeachment de um não é a melhor estratégia. O povo tem que impor sua opinião para os que estão aí, porque a questão é estrutural. Não é culpa de exclusiva de Dilma, de Renan Calheiros, de PT, PMDB, PSDB, que seja.

A culpa é da alienação que nos é imposta e que reflete nos parlamentares e governantes, já que eles se esquecem que também são povo quando recebem o diploma do cargo eletivo e são alienados pelas benesses do poder e pelo assenhoramento da coisa pública.
Já que deixam de andar de transporte coletivo (se é que usaram algum dia), deixam de ir ao supermercado, não colocam seus filhos na escola pública, não ficam mais na fila do SUS e ainda locupletam-se às custas dos nossos impostos.

O recado deve sim ser dado agora, mas deve ser consumado nas urnas. Já tivemos um impeachment no Brasil e nada resolveu. Até lá, devemos deixar bem claro, o que queremos nos seja proporcionado com o dinheiro que arrecadamos.

Ah, e SEM VIOLÊNCIA, SEM SAQUES, SEM VANDALISMO. Não vamos nos rebaixar ao nível do sistema que nos oprime. Vamos com INTELIGÊNCIA, PAZ, ATITUDE E FIRMEZA.

Será que agora dá para entender o porquê?

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Precisa-se de moderação: a inadequação do pensamento radical.



Estamos vivendo uma verdadeira guerra santo-sexista tupiniquim. É importante refletir sobre o assunto, na tentativa de trazer um pensamento moderado. A tentativa é ser o mais imparcial e isento possível.
Vou partir de uma situação hipotética, porém real e cotidiana, principalmente em cidades grandes: imaginemos que um pregador entre num ônibus e comece a declamar e explicar a Bíblia em alto e bom som. Agora vamos fazer o seguinte exercício. Risquemos da situação hipotética as palavras “pregador” e “Bíblia” e troquemos pela profissão que exercemos ou nos formamos e por algo que seja mais característico nela, mantendo o contexto do ônibus. No meu caso eu vou colocar as palavras “analista de sistemas” e “linguagem C”, ou poderia também trocá-las por “advogado” e “Constituição”, assim como o “farmacêutico” está para a “bula”, ou o “médico” está para o “Código Internacional de Doenças”, ou o “contador” está para as “regras de ouro”, ou o “letrado” para a “gramática”.
Imaginem-se neste ônibus, como passageiros, numa viagem de 40 minutos, com a pessoa declamando suas convicções.
Esse exercício treina a empatia? Creio que sim, e essa é a questão importante. Pois é nos colocando no lugar dos outros que conseguimos moderar nossas convicções mais radicais e percebermos as inadequações do que propagam por aí.
Agora vamos trazer a reflexão para um prisma, digamos, sociológico e tentar fazer o “link”.
Vejo que o maior problema dos movimentos sociais são as alas radicais. Vamos imaginar que os cegos de uma grande cidade comecem a exigir do ente público obras de acessibilidade, fundamentados no direito primordial de locomoção. É uma questão justa? Sem sombra de dúvidas! Imaginemos que esse grupo se organize e consiga eleger seu representante. Esse representante então resolve apresentar um projeto de Lei que transforme a calçada da principal avenida da cidade em uma via exclusiva para cegos. E agora? Será que esse equipamento público terá sua melhor destinação?
Assim como existem nos movimentos negros e feministas alas radicais que defendem políticas que são substitutivas. No primeiro caso, uma hipótese seria a criação de escolas exclusivas para negros, ou no segundo, feministas radicais que defendam a ocupação e substituição de espaços e funções sejam ocupadas por homens. Não quero crer que nenhuma das possibilidades seja equânime, pois sabemos que a segregação, a formação de guetos não contribuiu em nada para a sociedade até hoje e tampouco creio que mulheres passem a preferir profissões como estivadora, pedreira, mineira, serralheira, soldadora, ou que homens prefiram ser manicuros, bordadeiros, secretários, costureiros... No entanto, aqueles de subvertem à lógica devem ser respeitados e ter o exercício de seus direitos garantido.
Agora juntemos essas ideias com a de segregação de funções. Pensemos na hipótese de uma grande empresa, que preveja em seu estatuto a criação de um conselho fiscal. Seria ético, moral, adequado, que o administrador financeiro fosse presidente do conselho? No âmbito do controle da administração pública, seria ético, adequado, que o ordenador de despesas fosse parte do conselho que exerce o controle social? Há uma evidente confusão de interesses nessas hipóteses.
Analisando sob o prisma da adequação, até para ser isento. Creio que ninguém leve a família em local público, ou aberto ao público (parques, shoppings, escolas, praças...) para ver cenas de preliminares de intimidades como se vê cotidianamente. Seja qualquer possibilidade de casal: hétero, homo, de três. É feio! É inadequado!
Tentando juntar todos esses elementos, não creio ser adequado/lógico, que um professor de matemática vá ao cabeleireiro para ensinar trigonometria assim como que um religioso pegue um ônibus para pregar, assim como um casal vá a local público extrapolar os limites das manifestações de carinho.
Será então, que é certo, num Estado laico, que um deputado vá ao congresso defender a sua fé. Que o deputado gay extrapole a exigência de igualdade e defenda privilégios? Ambos atuando em nome de coisas íntimas e subjetivas?
O ambiente para se praticar a fé é na Igreja/templo/terreiro/centro, cada um com a sua denominação. Assim como o ambiente para se praticar sexualidade é na cama.
É honesto, digno, relevante, válido e adequado defender no parlamento o direito à justiça, à igualdade, à liberdade de culto, à liberdade sexual, à liberdade de expressão. Mas fazer disso uma ferramenta para obtenção de privilégios, uma máquina de benefícios, um meio de postergar questões importantes e uma grande subtefúrgio para alienar o povo é no mínimo desonesto. Deveria ser tipificado como crime. Isso serve tanto para criminosos gays quanto para os criminosos religiosos.
A lição de tudo isso é a moderação, saber separar as coisas e coloca-las no seu devido lugar. O pecado, a condenação divina, o perdão divino se obtém na fé, praticada na Igreja e no íntimo de cada um. No parlamento, deve se defender direitos, o exercício pleno e igualitário dos direitos por todos, o interesse comum, nem que seja necessário criar ações afirmativas e políticas públicas, mesmo controvertidas, como cotas sociais, bolsas família, privilégios fiscais para contratar deficientes ou idosos...
Clodovil Hernandez, numa de suas manifestações fez isso muito bem, obviamente com alguns vícios que são típicos da experiência de vida que ele teve – algo que acontece com todo mundo – , e foi criticado, incriminado, rechaçado pelo movimento LGBT. Mas acho que, naquele momento, ele agiu muito mais como parlamentar do que Jean Willys e Marco Feliciano.  
Mas as pessoas mais inadequadas dessa realidade toda somos nós, eleitores, que ainda não aprendemos a votar com isenção. Essa é a lição que eu, como um cidadão que se sente cada vez mais inadequado, por crer ser consciente de seu lugar e de suas convicções, tiro dessa realidade toda. Já transgredi as normas da elegância, em outras manifestações para expor esse ponto de vista, quem quiser ler, com um português “mais claro” é só verificar a minha linha do tempo lá na rede social.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Reflexão sobre o voto nulo

Votar nulo, ao contrário do que dizem por aí, não é anular cidadania e nem transferir a responsabilidade para os outros. Esse pensamento é um reflexo ultrapassado decorrente do paternalismo, do assistencialismo, do coronelismo e todas as doenças da política tupiniquim.
Anular o voto é sim uma das possíveis manifestações da cidadania. É discordar de um sistema que favorece a corrupção em suas mais diversas facetas: loteamento de cargos para os infinitos aliados políticos, cabides de emprego, descontrole das despesas públicas... Até porque não temos instrumentos hábeis para retirar definitivamente da vida pública aqueles que profissionalizaram aquilo que deveria ser um encargo público e estão no exercício de cargo eletivo exclusivamente em benefício de interesses pessoais. Acho que o máximo de benefício que um eleito deveria ter seria a isenção de pagamento de alguns impostos.
Estamos presenciando uma crise nos sistemas político e eleitoral do Brasil que só tende a piorar. Reflexo disso é a notável dificuldade de se estabelecer uma governabilidade no mínimo aceitável, pois fizeram uma aliança gigantesca para as campanhas eleitorais e estão dividindo o bolo até agora, sendo que as campanhas eleitorais já começaram, mesmo que de maneira disfarçada.
Enfim, votar nulo é declarar-se contra essa realidade e provocar na sociedade e nos nossos representantes a reflexão de que a mudança, a reforma, a modernização do sistema eleitoral está cada vez mais imprescindível.

quinta-feira, 8 de março de 2012

QUANTO ÓDIO HÁ NO FUNDAMENTALISMO

QUANTO ÓDIO HÁ NO FUNDAMENTALISMO

Ao abrir esse link: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2012/03/02/interna_brasil,291650/justica-concede-direito-a-casal-homoafetivo-de-registrar-a-filha.shtml há alguns dias fiquei muito angustiado com o futuro da humanidade. Entristece e preocupa o que alguns comportamentos e opiniões podem provocar na sociedade do futuro.

Trata-se de uma decisão judicial que favoreceu um casal homossexual concedendo-lhe o direito de registrar uma criança em nome dos dois. A menina é filha biológica de um deles, gerada por reprodução assistida, a partir de um óvulo doado no útero da prima de um deles. Ou seja, o registro de nascimento da Maria Tereza consta o nome de dois pais, sem uma mãe.

Mas o que me entristece não é o fato em si, é a reação de algumas pessoas nos comentários da matéria. Nota-se que o ódio e a intolerância parecem ser a regra entre nós, pois prevalecem sobre manifestações de afeto, de amor e solidariedade pelo próximo. Essa inversão de valores é nítida nos comentários e demonstra o quanto nossa sociedade é incoerente, mesquinha, medíocre e hipócrita.

Então vamos falar dela (sociedade)? Vamos aos fatos:

Indigna-me saber que um senhor que rasgou documentos de notas de escolas de samba foi preso, será processado e julgado enquanto as deputadas das bolsas e outros da mesma estirpe continuam sentados em suas cadeiras, tomando decisões em nome dos cidadãos eleitores.

Antes de nos preocuparmos com o que ocorre na esfera individual, na intimidade das pessoas, deveríamos nos preocupar com o que estão fazendo com o interesse coletivo, com o bem comum.

Indigna-me saber que um estádio superfaturado custará três vezes mais que o previsto e que sua obra funciona 24 horas por dia, enquanto faltam professores nas escolas, médicos nos hospitais, ônibus decentes nas ruas e sobram buracos nas vias.

O afeto, o carinho, a solidariedade e o respeito, definitivamente, não me indignam.

Indigna-me saber que um governo anuncia corte nos gastos alegando “responsabilidade fiscal” e logo depois cria (ou recria) mais uma secretaria para colocar nos cabides apadrinhados que ficaram sem cargo e gozarem de privilégios imorais.

Indigna-me saber que somos a 6ª economia mundial, mas há um abismo social que nos leva ao 84º lugar em IDH.

Indigna-me o desserviço prestado pelo Legislativo mais caro da América Latina. A concessão de direitos pelo judiciário não me indigna.

Indigna-me assistir, em pleno século XXI, na era da modernidade, e da informação, guerras (brancas ou vermelhas) motivadas por assuntos religiosos.

Indigna-me a banalização da violência, do sexo, de valores duvidosos, de práticas indecentes, do adultério, da traição, da mesquinharia, do egoísmo, dos preconceitos que se vê nas novelas e em outros programas de TV. Elas definitivamente passam bons exemplos de comportamento.

Imoral, indecente, pelo visto, é o que se percebe nas instituições: nossos governantes e “representantes” que negligenciam a res pública em favor de benesses e privilégios para poucos e do pão e circo para muitos. Uma prática comum desde a Roma antiga! Negligenciam, assim, nossos impostos, sucateiam a saúde, a educação, a segurança e o transporte (citando apenas o fundamental).

Indigna-me saber que líderes religiosos estão sentados em tronos de ouro, desde a Roma Antiga e até hoje, condenam e matam pessoas (literalmente ou socialmente) e ainda não fazem nada de concreto (distribuir parte da riqueza, por exemplo) para resolver ou ajudar a resolver problemas como a fome, a miséria, as epidemias...

Escândalos que envolvem indecência, imoralidade, descaso, omissão pipocam todos os dias na mídia e em instituições de todos os tipos, inclusive nas religiosas, nas políticas e nas famílias. Trago a tona os casos de corrupção, pedofilia e de crianças jogadas pela janela. Relevo também o 20º lugar do DF, onde fica a capital do país, na saúde; a falta de professores nas escolas, os factoides criados para arrochar a classe média, porém os apadrinhados continuam todos lá, ditando o que deve ser feito e gozando seus privilégios. Deveríamos, como capital, dar o exemplo.

Essa mesma mídia é também responsável por criar uma atmosfera de alienação com um vendaval de novelas, reality shows, sensacionalismo e de futebol. Programação que não contribui para a formação de cidadãos com senso crítico e capacidade de mudar o rumo do leme e navegar contra ou em outra correnteza.

Enquanto isso tudo acontece, uma criança será cercada de cuidados, carinho, atenção e poderá, como qualquer um de nós, ser uma cidadã de bem ou nem tão de bem assim, por assim dizer.

Vejo os fundamentalistas como vítimas de um sistema que privilegia o que é desimportante para o coletivo e faz com que vejam apenas o que não ultrapassa da esfera individual.

Alguns lerão isso aqui até o final, e alguns desses poderão pensar: “se ele tem essa opinião, deve ser gay”. Adianto a resposta da seguinte forma: defendo a fé, mas não sou religioso; defendo o veganismo, mas como carne; defendo a descriminalização da maconha, mas detesto qualquer tipo de cigarro; amo a Ivete, detesto o que ela faz; ouço rock e bossa nova, não sou metaleiro nem boêmio; acho a Adele chatíssima, mas ela faz música boa.

Outros poderão pensar: “é ateu”. Respondo: amo um Deus universal, não punitivo, não justo (justiça dá ideia de coerção, de sanção), amoroso, acolhedor, compreensivo. Mas não acredito em instituições e religiões dogmáticas.

Por sua vez, outros ainda poderão pensar: “é anarquista”. Da mesma forma, esclareço que defendo um governo ideal e não a falta dele. E, apesar de ver a família como uma instituição falida, respeito quem quer formar uma.

Para quem nasceu nu (lato sensu) e tem consciência disso, certos rótulos são desnecessários.

Diante de tudo isso, sinto-me um privilegiado por fazer parte de uma minoria capaz de ver com senso crítico a realidade e saber separar as coisas. Mas, por outro lado, me sinto como aquela andorinha sozinha: conivente com a situação, impotente e incapaz de mudar a realidade. E pior: um criminoso por permitir, com a minha impotência solitária que atos fundamentalistas motivados por preconceitos, ódio, desrespeito e intolerância vandalizem e tornem anormal e inconcebível a simplicidade e a verdade do que há de mais humano que é o exercício de atos de amor. Falta-nos altruísmo, atitude, respeito, iniciativa e força de vontade e, por isso, está cada vez mais difícil ser cidadão, brasiliense, brasileiro e humano.