quinta-feira, 8 de março de 2012

QUANTO ÓDIO HÁ NO FUNDAMENTALISMO

QUANTO ÓDIO HÁ NO FUNDAMENTALISMO

Ao abrir esse link: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2012/03/02/interna_brasil,291650/justica-concede-direito-a-casal-homoafetivo-de-registrar-a-filha.shtml há alguns dias fiquei muito angustiado com o futuro da humanidade. Entristece e preocupa o que alguns comportamentos e opiniões podem provocar na sociedade do futuro.

Trata-se de uma decisão judicial que favoreceu um casal homossexual concedendo-lhe o direito de registrar uma criança em nome dos dois. A menina é filha biológica de um deles, gerada por reprodução assistida, a partir de um óvulo doado no útero da prima de um deles. Ou seja, o registro de nascimento da Maria Tereza consta o nome de dois pais, sem uma mãe.

Mas o que me entristece não é o fato em si, é a reação de algumas pessoas nos comentários da matéria. Nota-se que o ódio e a intolerância parecem ser a regra entre nós, pois prevalecem sobre manifestações de afeto, de amor e solidariedade pelo próximo. Essa inversão de valores é nítida nos comentários e demonstra o quanto nossa sociedade é incoerente, mesquinha, medíocre e hipócrita.

Então vamos falar dela (sociedade)? Vamos aos fatos:

Indigna-me saber que um senhor que rasgou documentos de notas de escolas de samba foi preso, será processado e julgado enquanto as deputadas das bolsas e outros da mesma estirpe continuam sentados em suas cadeiras, tomando decisões em nome dos cidadãos eleitores.

Antes de nos preocuparmos com o que ocorre na esfera individual, na intimidade das pessoas, deveríamos nos preocupar com o que estão fazendo com o interesse coletivo, com o bem comum.

Indigna-me saber que um estádio superfaturado custará três vezes mais que o previsto e que sua obra funciona 24 horas por dia, enquanto faltam professores nas escolas, médicos nos hospitais, ônibus decentes nas ruas e sobram buracos nas vias.

O afeto, o carinho, a solidariedade e o respeito, definitivamente, não me indignam.

Indigna-me saber que um governo anuncia corte nos gastos alegando “responsabilidade fiscal” e logo depois cria (ou recria) mais uma secretaria para colocar nos cabides apadrinhados que ficaram sem cargo e gozarem de privilégios imorais.

Indigna-me saber que somos a 6ª economia mundial, mas há um abismo social que nos leva ao 84º lugar em IDH.

Indigna-me o desserviço prestado pelo Legislativo mais caro da América Latina. A concessão de direitos pelo judiciário não me indigna.

Indigna-me assistir, em pleno século XXI, na era da modernidade, e da informação, guerras (brancas ou vermelhas) motivadas por assuntos religiosos.

Indigna-me a banalização da violência, do sexo, de valores duvidosos, de práticas indecentes, do adultério, da traição, da mesquinharia, do egoísmo, dos preconceitos que se vê nas novelas e em outros programas de TV. Elas definitivamente passam bons exemplos de comportamento.

Imoral, indecente, pelo visto, é o que se percebe nas instituições: nossos governantes e “representantes” que negligenciam a res pública em favor de benesses e privilégios para poucos e do pão e circo para muitos. Uma prática comum desde a Roma antiga! Negligenciam, assim, nossos impostos, sucateiam a saúde, a educação, a segurança e o transporte (citando apenas o fundamental).

Indigna-me saber que líderes religiosos estão sentados em tronos de ouro, desde a Roma Antiga e até hoje, condenam e matam pessoas (literalmente ou socialmente) e ainda não fazem nada de concreto (distribuir parte da riqueza, por exemplo) para resolver ou ajudar a resolver problemas como a fome, a miséria, as epidemias...

Escândalos que envolvem indecência, imoralidade, descaso, omissão pipocam todos os dias na mídia e em instituições de todos os tipos, inclusive nas religiosas, nas políticas e nas famílias. Trago a tona os casos de corrupção, pedofilia e de crianças jogadas pela janela. Relevo também o 20º lugar do DF, onde fica a capital do país, na saúde; a falta de professores nas escolas, os factoides criados para arrochar a classe média, porém os apadrinhados continuam todos lá, ditando o que deve ser feito e gozando seus privilégios. Deveríamos, como capital, dar o exemplo.

Essa mesma mídia é também responsável por criar uma atmosfera de alienação com um vendaval de novelas, reality shows, sensacionalismo e de futebol. Programação que não contribui para a formação de cidadãos com senso crítico e capacidade de mudar o rumo do leme e navegar contra ou em outra correnteza.

Enquanto isso tudo acontece, uma criança será cercada de cuidados, carinho, atenção e poderá, como qualquer um de nós, ser uma cidadã de bem ou nem tão de bem assim, por assim dizer.

Vejo os fundamentalistas como vítimas de um sistema que privilegia o que é desimportante para o coletivo e faz com que vejam apenas o que não ultrapassa da esfera individual.

Alguns lerão isso aqui até o final, e alguns desses poderão pensar: “se ele tem essa opinião, deve ser gay”. Adianto a resposta da seguinte forma: defendo a fé, mas não sou religioso; defendo o veganismo, mas como carne; defendo a descriminalização da maconha, mas detesto qualquer tipo de cigarro; amo a Ivete, detesto o que ela faz; ouço rock e bossa nova, não sou metaleiro nem boêmio; acho a Adele chatíssima, mas ela faz música boa.

Outros poderão pensar: “é ateu”. Respondo: amo um Deus universal, não punitivo, não justo (justiça dá ideia de coerção, de sanção), amoroso, acolhedor, compreensivo. Mas não acredito em instituições e religiões dogmáticas.

Por sua vez, outros ainda poderão pensar: “é anarquista”. Da mesma forma, esclareço que defendo um governo ideal e não a falta dele. E, apesar de ver a família como uma instituição falida, respeito quem quer formar uma.

Para quem nasceu nu (lato sensu) e tem consciência disso, certos rótulos são desnecessários.

Diante de tudo isso, sinto-me um privilegiado por fazer parte de uma minoria capaz de ver com senso crítico a realidade e saber separar as coisas. Mas, por outro lado, me sinto como aquela andorinha sozinha: conivente com a situação, impotente e incapaz de mudar a realidade. E pior: um criminoso por permitir, com a minha impotência solitária que atos fundamentalistas motivados por preconceitos, ódio, desrespeito e intolerância vandalizem e tornem anormal e inconcebível a simplicidade e a verdade do que há de mais humano que é o exercício de atos de amor. Falta-nos altruísmo, atitude, respeito, iniciativa e força de vontade e, por isso, está cada vez mais difícil ser cidadão, brasiliense, brasileiro e humano.