Estamos vivendo uma verdadeira guerra santo-sexista
tupiniquim. É importante refletir sobre o assunto, na tentativa de trazer um
pensamento moderado. A tentativa é ser o mais imparcial e isento possível.
Vou partir de uma situação hipotética, porém real e
cotidiana, principalmente em cidades grandes: imaginemos que um pregador entre
num ônibus e comece a declamar e explicar a Bíblia em alto e bom som. Agora
vamos fazer o seguinte exercício. Risquemos da situação hipotética as palavras “pregador”
e “Bíblia” e troquemos pela profissão que exercemos ou nos formamos e por algo
que seja mais característico nela, mantendo o contexto do ônibus. No meu caso
eu vou colocar as palavras “analista de sistemas” e “linguagem C”, ou poderia
também trocá-las por “advogado” e “Constituição”, assim como o “farmacêutico”
está para a “bula”, ou o “médico” está para o “Código Internacional de Doenças”,
ou o “contador” está para as “regras de ouro”, ou o “letrado” para a “gramática”.
Imaginem-se neste ônibus, como passageiros, numa viagem de
40 minutos, com a pessoa declamando suas convicções.
Esse exercício treina a empatia? Creio que sim, e essa é a
questão importante. Pois é nos colocando no lugar dos outros que conseguimos
moderar nossas convicções mais radicais e percebermos as inadequações do que
propagam por aí.
Agora vamos trazer a reflexão para um prisma, digamos, sociológico
e tentar fazer o “link”.
Vejo que o maior problema dos movimentos sociais são as alas
radicais. Vamos imaginar que os cegos de uma grande cidade comecem a exigir do
ente público obras de acessibilidade, fundamentados no direito primordial de
locomoção. É uma questão justa? Sem sombra de dúvidas! Imaginemos que esse
grupo se organize e consiga eleger seu representante. Esse representante então
resolve apresentar um projeto de Lei que transforme a calçada da principal
avenida da cidade em uma via exclusiva para cegos. E agora? Será que esse equipamento
público terá sua melhor destinação?
Assim como existem nos movimentos negros e feministas alas
radicais que defendem políticas que são substitutivas. No primeiro caso, uma
hipótese seria a criação de escolas exclusivas para negros, ou no segundo,
feministas radicais que defendam a ocupação e substituição de espaços e funções
sejam ocupadas por homens. Não quero crer que nenhuma das possibilidades seja
equânime, pois sabemos que a segregação, a formação de guetos não contribuiu em
nada para a sociedade até hoje e tampouco creio que mulheres passem a preferir
profissões como estivadora, pedreira, mineira, serralheira, soldadora, ou que
homens prefiram ser manicuros, bordadeiros, secretários, costureiros... No
entanto, aqueles de subvertem à lógica devem ser respeitados e ter o exercício
de seus direitos garantido.
Agora juntemos essas ideias com a de segregação de funções.
Pensemos na hipótese de uma grande empresa, que preveja em seu estatuto a criação
de um conselho fiscal. Seria ético, moral, adequado,
que o administrador financeiro fosse presidente do conselho? No âmbito do
controle da administração pública, seria ético, adequado, que o ordenador de despesas fosse parte do conselho que
exerce o controle social? Há uma evidente confusão de interesses nessas
hipóteses.
Analisando sob o prisma da adequação, até para ser isento. Creio que ninguém leve a família em
local público, ou aberto ao público (parques, shoppings, escolas, praças...)
para ver cenas de preliminares de intimidades como se vê cotidianamente. Seja
qualquer possibilidade de casal: hétero, homo, de três. É feio! É inadequado!
Tentando juntar todos esses elementos, não creio ser adequado/lógico, que um professor de
matemática vá ao cabeleireiro para ensinar trigonometria assim como que um
religioso pegue um ônibus para pregar, assim como um casal vá a local público extrapolar
os limites das manifestações de carinho.
Será então, que é certo, num Estado laico, que um deputado vá
ao congresso defender a sua fé. Que o deputado gay extrapole a exigência de
igualdade e defenda privilégios? Ambos atuando em nome de coisas íntimas e
subjetivas?
O ambiente para se praticar a fé é na Igreja/templo/terreiro/centro,
cada um com a sua denominação. Assim como o ambiente para se praticar
sexualidade é na cama.
É honesto, digno, relevante, válido e adequado defender no parlamento o direito à justiça, à igualdade, à
liberdade de culto, à liberdade sexual, à liberdade de expressão. Mas fazer
disso uma ferramenta para obtenção de privilégios, uma máquina de benefícios,
um meio de postergar questões importantes e uma grande subtefúrgio para alienar
o povo é no mínimo desonesto. Deveria ser tipificado como crime. Isso serve
tanto para criminosos gays quanto para os criminosos religiosos.
A lição de tudo isso é a moderação, saber separar as coisas
e coloca-las no seu devido lugar. O pecado, a condenação divina, o perdão
divino se obtém na fé, praticada na Igreja e no íntimo de cada um. No
parlamento, deve se defender direitos, o exercício pleno e igualitário dos direitos
por todos, o interesse comum, nem que seja necessário criar ações afirmativas e
políticas públicas, mesmo controvertidas, como cotas sociais, bolsas família,
privilégios fiscais para contratar deficientes ou idosos...
Clodovil Hernandez, numa de suas manifestações fez isso
muito bem, obviamente com alguns vícios que são típicos da experiência de vida
que ele teve – algo que acontece com todo mundo – , e foi criticado,
incriminado, rechaçado pelo movimento LGBT. Mas acho que, naquele momento, ele
agiu muito mais como parlamentar do que Jean Willys e Marco Feliciano.
Mas as pessoas mais inadequadas
dessa realidade toda somos nós, eleitores, que ainda não aprendemos a votar com
isenção. Essa é a lição que eu, como um cidadão que se sente cada vez mais inadequado, por crer ser consciente de
seu lugar e de suas convicções, tiro dessa realidade toda. Já transgredi as
normas da elegância, em outras manifestações para expor esse ponto de vista,
quem quiser ler, com um português “mais claro” é só verificar a minha linha do
tempo lá na rede social.