quinta-feira, 26 de março de 2009

Bahia, segunda parte...



(DIA 19) Talvez a falta de um equipamento para visão noturna tenha influenciado sobre o que disse a respeito de senso estético em Mirangaba, logo saberão por quê. Continuando o relato, o motorista retornou a Filadélfia de madrugada e nem vi direito que horas eram. Só sei que levantei cedo, tomei meu café-da-manhã oferecido pelo, digamos, hotel (tinha leite, café, batata doce cozida, margarina, pão, bolo de fubá e o meu chá de estimação que levo sempre comigo), e seguimos para a Secretaria de Educação. Para chegar até a Secretaria era só atravessar a rua, passar em frente ao Banco do Brasil e subir a escadaria do prédio ao lado. Pela manhã deu para ter uma idéia melhor sobre a cidade, que fica num terreno mais acidentado, com ruas íngremes. O pavimento das ruas principais é feito com paralelepípedos de pedra, assim como em Filadélfia. Tem muitas casas em construção, o que torna a paisagem feia. Acredito que os moradores estão trocando as paredes de pau a pique e adobe por alvenaria e os telhados de fibra ou amianto por cerâmica. Mas isso não tira o aspecto pobre da cidade. O prédio da Secretaria tem a frente voltada para a praça, assim como outros prédios comerciais, como duas farmácias, uma padaria, uma lojinha de roupas e outra de variedades. O restante é boteco. A praça daria certo em outro cenário, mais desenvolvido, pois a sua beleza destoa do resto da cidade. Na praça tem uma estátua em homenagem a um ex-prefeito, membro de uma família influente na cidade (a família Tínel) e prédio em semicírculo com dois pavimentos: embaixo um bar e em cima um salão para baile e outros eventos.

Fomos bem recepcionados na secretaria, o prédio dispõe de boa estrutura, assim como outros prédios que abrigam órgãos públicos. Logo fomos para a sala que nos disponibilizaram, montamos os equipamentos e começamos os trabalhos, quando percebi que as abelhas começaram a chegar. Fiquei com vontade de ir ao banheiro e, como não tinha tomado banho, como disse no post anterior, resolvi ir para a pousada. Tomei AQUELE banho: demorado e quente do jeito que eu precisava.

Seguimos para o almoço, na pousada. Serviram arroz, carne de sol, feijão, sem salada. A carne de sol estava mais para carne de sal. Pedi um ovo frito, sem sal. Fiquei feliz, pois o ovo era caipira. Mas não voltamos mais a almoçar naquele lugar.

A tarde, após o expediente, fomos procurar um local para fazer um lanche. Achamos uma padaria e perguntamos que horas ia fechar. A funcionária respondeu que pelas 20h estaria fechando. Fomos para a pousada. Tomamos banho, dedetizei o local, e fomos lanchar. A padaria estava fechada, antes mesmo do horário que foi informado. Acabamos sabendo do bar do Teté, que serve-tira gosto e que durante o resto dos dias foi nossa salvação. Comemos uma galinha caipira, com pirão e arroz que estava uma delícia, exceto pela quantidade de insetos nos sobrevoava (besouros, formigas, pernilongos, enfim, todo o filo de artrópodes voadores). Insetos são artrópodes? Vou confirmar, depois escrevo aqui, mas acho que estou correto. Falando em artrópodes, ao chegar no, digamos, hotel, nos deparamos com algo surpreendente: o chão do quarto estava sendo invadido por uma família do MCSC (Movimento dos Carrapatos sem Cachorro... Devia ter umas três famílias de carrapatos reivindicando. Não preciso dizer que dedetizei o local (novamente) e todos morreram, alguns na base do tubo de inseticida mesmo, na porrada.

 (DIA 20) A noite foi até boa, consegui dormir até bem. O café da manha tinha basicamente as mesmas coisas do dia anterior, trocando as batatas por bananas e o bolo por tapioca. Fomos almoçar no Teté, e não conteceu nada demais durante o dia: papéis, abelhas, mais papéis, mais abelhas... e a descoberta que a colméia estava entre o forro e o telhado da sala em que estávamos trabalhando. A noite, voltamos à padaria e conseguimos encontrá-la aberta. Pedi um misto e um suco de maracujina (é assim que eles chamam o maracujá) e os colegas pediram hambúrguer. Reclamei que a maionese não estava na geladeira a alertei a senhorita que nos serviu sobre os problemas que isso pode causar. Acho que ela vai continuar guardando a maionese fora da geladeira. Pedi mais um misto e comentamos com a fulana que estivemos lá no dia anterior e que estava fechada e ela respondeu: “a gente fecha assim que acaba o pão...”. Certo! A padaria é dela... Ela fecha quando ela quiser... Já ia me esquecendo que fiz uma aventura... Eu fui acompanhar um motorista do transporte escolar que deixa uns alunos quilombolas na zona rural. O ônibus é um AGRALE, velho, financiado pelo Governo Federal. Fomos até uma região conhecida por Lajeiro, que tem esse nome por ser uma região seca e cheia de pedras. A paisagem é muito bonita, uma planície, com um vale verde no meio. A vegetação predominante é baixa, típica da zona de transição entre a caatinga e o sertão, como eles descreveram. Não sei se posso, geograficamente, classificar assim. E, no vale, predomina a vegetação mais alta, parecida com a do cerrado mesmo. O solo é arenoso, com pedras soltas, de cor esverdeada, pois tem uma fonte de esmeraldas próxima à região. No vale tem uma cachoeira, chamada Cachoeira do Gelo, mas não dá pra ver de longe. O ônibus estava cheio de alunos, todos de pele negra. Somente o motorista é branco. Deixamos todos e voltamos, foi uma viagem longa, mas foi gratificante de ver que existem pessoas que, apesar de ter que andar duas horas a pé até chegar no local onde o transporte passa para encarar uma viagem de mais uma hora para chegar na escola, conseguem estudar. Ficamos sabendo que esta região que abriga essas famílias remanescentes de quilombo foi descoberta há pouco tempo, menos de quatro anos, e que eles (os quilombolas) não sabiam nem o que era escola. Os sinais de falta de contato são ainda perceptíveis como quando demonstram um misto acanhamento e encantamento ao conversar com um desconhecido, que se comporta, veste, fala e articula de maneira mais, digamos, metropolitana. Estou tentando ter muito cuidado ao escrever isso aqui, pois estou lidando com um tema que, infelizmente, é tabu para muitas pessoas, que muitas vezes não conseguem ou não tiveram a oportunidade de estar em contato, corpo-a-corpo, com a realidade nua a crua. Infelizmente o acesso a informação, educação e cultura, não só aquelas que tratam do passado, mas aquelas que trazem desenvolvimento, não estão disponíveis na mesma medida para todos, e a cor da pele é um fator importante nessa realidade. A preguiça – vale dizer: desassociada da cor da pele ou da região, até porque os gestores (negros ou branco) dos recursos públicos são os mais preguiçosos (afinal, estamos no Brasil) – também é um fator a ser considerado.

(DIA 21) Sim, nós trabalhamos sábado... Não jantamos. Dedetizei. Sem carrapatos desta vez.

(DIA 22 - DOMINGO) Acordei por volta de 11h, não tomei café, esperei o almoço no Teté. Comemos uma picanha assada, que estava uma delícia. Eu voltei pra pousada e lá fiquei até a hora do lanche. Dedetizei e fomos comer pastel: finalmente encontramos a pastelaria aberta. Eles têm uma receita curiosa de pastel: o feito de hambúrguer. O rapaz amassa o hambúrguer com um garfo, coloca os outros ingredientes e fecha o pastel pra fritar.

Voltei para a pousada pra ver o Fantástico e ir dormir.

(DIA 23) Carrapatos, café-da-manhã, blábláblá.

Como andei esse dia! Foi o dia das visitas às escolas.

O município de Mirangaba, em extensão territorial, é muito grande, e os povoados, distritos e vilas são distantes da sede do município. Visitei escolas que ficam mais perto do município vizinho que da sede. Fui a duas escolas pela manhã e conheci dois distritos do município. Um deles, o Taquarendí, é mais organizado e com o comércio melhor que a sede do município. O interessante é a mudança de paisagens durante os percursos. Pela manhã visitei uma região mais próxima do que eles chamam de sertão, onde só chove somente em um período do ano, que eles chamam de “inverno”, mas, na verdade é verão. A tarde, visitei regiões de sertão e outra mais próxima da caatinga, que tem dois períodos chuvosos, que eles chama de inverno e trovoada. É perceptível a diferença de vegetação, solo e temperatura dos dois locais. A região que parece mais com a caatinga tem tempreatura mais amena.

Cheguei à secretaria tostado e sujo. Acho que dava pra tirar terra dos orifícios da minha cabeça suficiente pra construir uma casa. Só consegui tomar (AQUELE) banho às 20h, quando terminamos os trabalhos de segunda. Após o expediente e o meu banho, dedetizei o local e fomos procurar algo pra forrar o estômago, pois não estávamos com fome e nos indicaram o bar do Zé, pois já tinha acabado o pão da padaria e o pastel não deu as caras.

No boteco do Zé, ocorreram coisas engraçadas

Primeiro ficamos sem saber o que comer, traumatizados depois de ter visto em dias anteriores em um dos botecos da praça sanduíches de carne moída e de salsicha que estavam na estufa há dois dias (depois trocaram os sanduíches por pedaços de requeijão embolorado, aff!). Depois resolvemos ver o que tinha pra comer. O colega se encarregou da entrevista:

- O que tem pra comer aí?

- Tem pastel.

- Tem pastel de que?

- Carne, frango e hambúrguer.

- E como é esse pastel? É frito?

- Não, é assado...

- Tá na geladeira?

- Não, ele ta nsoekdlfjvmvieq0...

- E como é feito esse pastel?

- É feito aqui mesmo...

- E ele foi assado agora?

- Ele foi assado gsusewjdnfreoioaisd...

- O senhor vai esquentá-lo agora?

- Não, ele já ta pronto, porque hduahdudheuihduiweh...

- Meus colegas não querem pastel e eu não vou comer sozinho, então me vê um suco... Tem de que?

- Maracujina, goiaba e acerola.

- Me dê uma de maracujina... E um pastel, resolvi comer um pastel pra fazer inveja aos colegas...

- Quer maionese?

- Como é essa maionese? É sachê? Ou é no tubo?

- É maionese caseira.

- Não, obrigado...

E o corajoso comeu o pastel. Eu me contentei com o suco de maracujina.

Nesse período surge no boteco um senhor dizendo:

- Zé, Tem brevidade?

- Tem não!

- Então me dê uma bala!

E começou a contar sobre parte de sua “estada” em São Paulo. A impressão é que todo mundo em Mitangaba já morou em São Paulo ou pretende ir para lá.

Depois descobrimos que o senhor “brevidade” é o pai da primeira dama.

Voltamos para o hotel e nos deparamos com o MCSC de novo, com novas famílias reivindicando e muitas borrifadas e sapatadas e “tubadas” nos membros do motim. Ainda bem que era a última noite. Fomos para a secretaria finalizar os trabalhos para pegarmos a estrada para Queimadas.

A viagem foi boa, apesar de ter brigado com o motorista pra ele pegar leve. A cidade, à primeira vista, é bem mais organizada e desenvolvida que Filadélfia e Mirangaba. É mais antiga também. As ruas são calçadas com pedras. Nos dirigimos à secretaria de educação, nos apresentamos, pedimos sugestão de hospedagem, nos alojamos e voltamos para a secretaria, que é perto do hotel, para uma reunião. A hospedagem, apesar de ser meio improvisada também, é melhor: aqui é um h(m)otel, com ar condicionado e TV (parabólica) e o chuveiro não é elétrico, mas a água é boa. Tomei (AQUELE) banho. Dedetizei o local, Saímos para comer um pizza, tropeçamos num acarajé, que o colega comeu e achamos a pizza e voltamos para descansar.

Uma observação me chamou atenção: nas três cidades o povo tem mania de vestir abadá. Será que eles ficam de abadá o ano todo esperando a micareta ou o carnaval? Será que ficam com preguiça de tirar o abadá, já que vai ter outro carnaval mesmo... Mirangaba tem um agravante que pude observar: a maioria dos que estão de abadá, estão desempregados. Espero que aqui em Queimadas seja diferente.

2 comentários:

Etio Meira disse...

Quase me racho de rir com o MCSC e com o diálogo com o cara do boteco do Zé....

Agora, confirmando oq vossa relusente sabedoria explica:

Insetos:

Maior classe dos artrópodes com mais de 700 mil espécies. Apresentam um esqueleto externo (exoesqueleto) de quitina, sofrem muda (troca de esqueleto) conforme o crescimento, tem o corpo dividido em: cabeça, tórax e abdome e ainda 6 patas. Possuem um par de antenas, há dois pares de asas, mas espécies com um par ou ainda sem asas. Sofrem metamorfose, após a cópula e a fecundação, a fêmea deposita os ovos que se transformam em larvas, depois em pupas e no final na forma adulta do inseto. Sua respiração é traqueal, sendo esta ramificada pelo corpo. Seu aparelho circulatório é lacunoso (coração e câmaras). Seu aparelho bucal pode ser mastigador ou triturador, sugador, picador e lambedor. Eles têm grande importância ecológica e podem estar relacionados com a transmissão de doenças. Exemplos de insetos: pulga, mosca, barata, borboleta, abelha, besouro, formiga e pernilongo.

Itamar Matos disse...

ou dupla informada ! Tô com inveja... vou ver a wikipedia daqui a pouco.